“Ser, Ter, Parecer e Aparecer”, é possível viver de uma maneira diferente?
- Silvania Motta
- 22 de out. de 2016
- 4 min de leitura

Uma das primeiras aulas que tive na faculdade, no curso de Psicologia, ficou gravada em minha memória, a maravilhosa aula do tão querido José Paulo Giovanetti, mestre brilhante com o qual tive a honra de iniciar e finalizar minha graduação. Ele nos presentou com o texto “Ser, ter e Parecer”, do também brilhante psiquiatra Paulo Gikovate.
O texto aponta que até meados de 1960 os valores que representavam a sociedade eram a integridade moral, o conhecimento, as boas relações de amizade e competência para exercer determinadas profissões consideradas úteis socialmente, exemplo: médicos e professores. Nesta fase o “SER” era o mais valorizado, a vaidade se sustentava no “ser alguma coisa”, ou seja, a profissão era mais importante do que o salário.
Por volta dos anos de 1970 o “TER” substituiu o Ser, a ênfase passou para a remuneração e aquisição de bens materiais possibilitada por ela, independentes até dos meios com que se conseguiram os mesmos. As aptidões e habilidades para o exercício de uma atividade profissional deixou de ser relevante, “Ser rico tornou-se muito mais relevante do que ser culto, produtivo ou mesmo honesto”. (Flávio Gikovate, 2015). As pessoas passaram a ser admiradas mais pelo que tinham do que pelo que eram. Símbolos de status e poder, as posses, marcas de grife, carros importados, viagens, e etc., tornaram-se objetos de desejo de grande parte das pessoas. Mas como estes recursos eram inacessíveis à maioria da população, muitos passaram a valer-se das imitações dos objetos de suas cobiças numa tentativa de reproduzir este modelo ideal de vida, assim já que não se pode Ter, é preciso “PARECER” que se tem.
O texto abordava estes três aspectos da historia do desenvolvimento da sociedade atual, mas com o avanço da tecnologia e crescimento das redes sociais, surgiu novo fenômeno ao qual o posteriormente o autor acrescentou ao tema e denominou de “APARECER”. O que caracteriza esta nova fase é o exibicionismo exacerbado, onde é preciso aparecer a qualquer custo, uma foto postada e sem curtidas é considerada um fracasso, qual é a graça de viajar se não postar fotos em tempo real de tudo que está curtindo? É preciso mostrar a todos o quanto nosso cotidiano é interessante, o quanto somos encantadores. Postamos o que comemos, como nos cuidamos, como nos vestimos e como nos divertimos. Exibimos nossas conquistas e escondemos nossas derrotas, criando assim uma ilusão de que nossas vidas são perfeitas quando muitas vezes não estamos bem e até nos sentimos uma fraude.
Um agravante desta situação é a sensação de vazio e até mesmo a depressão que pode surgir diante da frustração de não conseguir se enquadrar neste modelo ideal e a insatisfação com a própria vida. Esta exposição exagerada também pode provocar uma competição entre as pessoas, o surgimento de incompreensão e gerar agressividade entre os relacionamentos pessoais. Tal fato pode ser observado na hostilidade e intolerância com a qual algumas pessoas conduzem suas discussões no face book ou nos grupos do whatsapp.
Não quero gerar polêmica sobre as redes sociais, ou dizer que não devemos postar isto ou aquilo, mas apenas provocar uma reflexão sobre o excesso, sobre a facilidade com que uma pessoa pode se perder em meio à superficialidade do mundo virtual. A questão é como vamos lidar com tudo isso, como usufruir dos benefícios de toda esta tecnologia sem permitir que prejudiquem nossa concepção a respeito de nós mesmos e do outro, nossos valores, nossos relacionamentos e nossos afetos. Basicamente é não deixar que aquilo que realmente importa, o que nos é caro se perca em meio aos atrativos de uma vida aparentemente descomplicada e perfeita, porém ilusória e vazia.

Muitas vezes as pessoas se sacrificam na busca por reconhecimento social, dão muito de si em empregos e profissões que não lhes trazem nenhuma satisfação pessoal, mas que lhes proporcionam um salário capaz de bancar um estilo de vida valorizado socialmente, também se esforçam para manter relacionamentos de aparência, que não tem nenhum valor afetivo.
Não existe um modelo ideal de felicidade que caiba na vida de todos. Nossa historia, nossa caminhada, nossas escolhas, nosso posicionamento diante da vida e nossas características pessoais nos dizem muito mais como podemos alcançar uma maneira de viver, que nos permita desfrutar a vida com toda sua fugacidade, adversidades e dificuldades, mas também com toda sua beleza e possibilidades.
E se para ser feliz for preciso romper com velhas crenças que nos limitam, aprisionam e condenam a um lugar que não nos faz bem? Que seja necessário aceitar e reconhecer nossa fragilidade, nossa vulnerabilidade, que se deixe de sonhar sonhos que não são próprios? Esta pode ser uma tarefa árdua, porém necessária para se viver de forma mais plena, mais humana, onde não se perca tanto tempo, tanta energia, tanta saúde e vida com aquilo que não nos toca, que não nos completa.
Bora viver o hoje e entender que não é preciso ser feliz todos os dias, porque há momentos que simplesmente não dá, não é possível, mas que podemos construir um caminho que nos representa, que nos completa e nos realiza.
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