Superação...Quando o amor é mais forte que a dor.
- Silvania Motta
- 14 de set. de 2016
- 12 min de leitura
Passivamente ninguém derruba paredes limitadoras (Lya Luft, 2009)

Olá conectadas! Quanta honra, saibam que recebo este espaço como quem recebe um presente precioso. Para quem não me conhece, meu nome é Silvania Motta, tenho 35 anos, sou casada, mãe da Isadora de quase três anos, psicóloga clínica e organizacional, apaixonada pela profissão.
Quando recebi o convite para ser colunista deste blog, após a surpresa e alegria inicial percebi a imensa responsabilidade que assumiria ao aceitar este desafio. Proponho-me a falar do lugar de mulher, mãe, esposa, psicóloga, empreendedora e de tantos outros papéis que desempenho, falo no contexto do meu tempo, este tempo onde ainda muito se debate sobre feminismo, papel da mulher na sociedade, criação de filhos, preconceito e etc. Tentarei escrever sobre as inquietações, questionamentos, alegrias, conquistas e tudo mais que envolve a incrível arte de viver. Assim como quem faz uma confidencia a um velho amigo pretendo compartilhar minhas vivencias e também relatos de mulheres donas de historias de vida inspiradoras, que realmente fazem a diferença, não necessariamente historias mirabolantes, de feitos incríveis, mas histórias de quem acredita no seu potencial, que não se inclina diante das adversidades da vida, que sofre, se resigna quando preciso, mas que também se levanta e vai enfrente em busca de seus objetivos, mulheres que bancam a escolha de serem as donas de suas próprias vidas. Já somos tantas hoje reunidas aqui no Conecta Mães BH, mas sabemos que ainda temos muitas outras para alcançar, porque realmente acreditamos que compartilhar experiências e somar forças é o caminho mais curto para alcançar o sucesso no empreendedorismo materno e/ou feminino.
Enfim falar de mulheres é falar de superação e para iniciar nossa trajetória nada melhor do que esta palavra que carrega em si a seguinte definição: “Ação ou efeito de superar, sobrepujamento, ação de conseguir vencer e/ou triunfar” (Dicionário online de Português).
Definido o tema, muitas mulheres guerreiras e vitoriosas me vieram à mente, mas uma em especial que há muito tempo vem tocando o meu coração mostrou-se a mais adequada para abrir esta coluna, Naiara Graciane, que tem sua trajetória de vida marcada pela palavra superação. Conheci a Naiara na faculdade e desde aquele tempo ela já demonstrava que desistir não era seu forte, dona de uma personalidade marcante e sorriso largo é uma mulher dotada de uma fé imensa e uma incrível capacidade de se reerguer e seguir enfrente, o que na psicologia chamamos de resiliência, termo com origens na física que em psicologia “refere-se à capacidade do indivíduo de enfrentar as adversidades da vida, de manter uma habilidade adaptativa, ser transformado por ela, recuperar-se ou conseguir superá-las e voltar para seu estado normal após vivenciar um trauma ou evento estressante” (Revista Brasileira de Psicoterapia;2011;13(2):115-132). Segue abaixo seu relato... sim é grande porque sua história é muito rica e não pode ser contada fragmentada, garanto que valerá a pena cada segundo dispensado na leitura e no final vocês irão compreender o título desta publicação. Um abraço a todos os leitores e obrigada por nos dispensar um pouco do seu tempo. Em breve voltaremos com mais histórias.

Sempre pedia a Deus um amor, chegava a me ajoelhar e chorar, clamando a Deus o meu grande amor. Comecei a namorar o Ronan em 18/08/2006, foi algo tão intenso que nos sentíamos casados desde esta data. Passamos por muitos desafios, tribulações, alegrias... Vivíamos cada momento, compartilhando tudo muito intensamente. Resolvemos ir morar juntos em 2008, onde Ronan foi me ensinando como era essa nova vida de responsabilidades e contas para pagar. Sempre com muito carinho, o que me fez amadurecer e o admirar cada vez mais. Tínhamos um bordão para nossas lutas, que era “quem te falou que seria fácil?!”. E tudo que conquistamos foi com muita fé, união e luta, tudo que tínhamos era muito especial, pois havia sido fruto de muita luta, esforço e amor. Tínhamos um amor um pelo outro muito forte, algo de Deus mesmo.
Em 2013 sentimos a vontade de ter um filho, desta forma nos casamos e começamos a nos prepara para o momento em que o fruto do nosso amor chegasse. Lutamos mais de um ano para que eu conseguisse engravidar. Eu já orava a Deus desesperadamente por um filho, pois eu tinha fé de que nenhum tipo de tratamento seria necessário para nós. Finalmente conseguimos engravidar, um pouco mais de um ano depois que decidimos que teríamos um filho! Felicidade foi total, pena que durou apenas dois meses... Perdemos nosso filho em um aborto espontâneo e muito doloroso em todos os sentidos. Pensávamos que teríamos que esperar meses para tentar novamente, porém Deus em sua infinita misericórdia, permitiu que meu útero estivesse perfeito para tentar novamente.
Assim, 30 dias depois estávamos novamente grávidos! Êxtase, cautela, cuidado, amor, companheirismo, amizade... foram ingredientes para uma gestação feliz. Um pouco antes de eu completar 35 semanas de gestação, comecei a me coçar desesperadamente. Coçava principalmente as extremidades do corpo, pensei ser algo referente a sabonete e assim comprei um neutro, porem nada melhorava. 48 horas após toda essa coceira a urina alterou a cor, ficou mais escura e assim tive a certeza de que não era nada de cunho alérgico e liguei para meu médico. O mesmo pediu para eu ir ao hospital que ele estava atendendo naquele dia. Durante o atendimento, e após os resultados dos exames fui diagnosticada com colestase, um descompasso metabólico do fígado que leva o acumulo de sais biliares no corpo todo. Meus exames estavam com essas taxas absurdamente altas, o que deixou o medico muito preocupado. O parto foi agendado para a manhã seguinte. Naquele momento já sabíamos que eu e meu filho estávamos correndo risco... Foi uma noite de muita oração, onde mais uma vez coloquei meu filho nas mãos do Senhor e fiz uma das orações mais difíceis da minha vida, onde disse “Deus, a minha vontade o Senhor já conhece, porém quero que saiba que aceito a vontade do Senhor para minha vida. Caso permita a vida do meu filho, ajude-me a cuidar dele.”.
Heitor nasceu no dia 20/01/2015, exatamente no dia em que completamos 35 semanas de gestação. Estava tranquila, pois o Senhor já havia acalmado meu coração e eu sabia que tudo daria certo. Estava tão calma que os médicos me questionaram se eu realmente era a mãe do parto de urgência. Heitor nasceu lindo, a cara do pai, porem com muitas dificuldades respiratórias e com isso precisou ficar na UTI neo natal. Foram 15 dias de muita falta e oração. Após uma pneumonia curada e o aprendizado para sugar, conseguimos levar nosso milagre para casa. Quanta felicidade!!! A dor de chegar em casa com os braços vazios, foi apagada pela gratidão de poder entrar com ele em nossa casa e poder colocar ele no berço dele. Ronan, apesar de trabalhar muito, sempre estava presente e me ajudava em tudo. Um excelente pai e marido. Tenho muito orgulho dele! Eu acabei saindo do meu trabalho, pois queria me dedicar totalmente em ser mãe do nosso filho. Vivemos intensamente as gargalhadas do Heitor, as dificuldades para ganhar peso, as comemorações de cada grama que ele ganhava, o engatinhar... a felicidade e gratidão sempre foram estampadas em nossas vidas.
No dia 05/11/15, acordamos cedo como de costume, tomamos café os três juntos, nos beijamos como sempre fazíamos para nos despedir e Ronan saiu para trabalhar. Perto do meio dia, recebo uma ligação de um dos colaboradores (que também e nosso amigo) da empresa, dizendo que o Ronan estava de observação no hospital, pois ele havia tido uma abrupta alteração na pressão. Cheguei ao hospital e vi meu marido. Estava inconsciente e já recebendo a preparação para ir para o CTI, pois havia recebido o diagnostico de um AVC isquêmico. Os médicos muito preocupados com o caso dele, a equipe (e amigos) da empresa com a preocupação e o temor estampados no rosto... Deus falou comigo claramente que eu não precisava em preocupar que Ele estava tratando com o Ronan. A paz reinou em mim, naquele momento tive a certeza de que meu marido lindo sairia bem dessa. Senti de ficar com o meu marido em tempo integral, para que a recuperação dele fosse mais rápida. Deixei nosso pequeno com minha mãe. Heitor estava bem de saúde e todo gostoso, naquele momento o pai dele precisava mais de mim. Decisão fácil, não! Ao meu ver a decisão correta, faria ela quantas vezes fossem preciso.
Nos primeiros 31 dias de CTI, via Heitor uma vez por dia, quando eu ia em casa para tomar banho e trocar de roupa. Em dias que Ronan passava por cirurgias, ou em dias que o seu quadro clinico era muito delicado, pois houve varias complicações clinicas além do AVC, via o Heitor bem rapidinho mesmo, às vezes questão de uma hora por dia. O que me fazia continuar firme nesses dias era meu amor e minha fé de que tudo acabaria bem. Lutaria muito, com noites pesadas, porem nossa vitória estava garantida por Deus! E assim foi, no 32º dia, Ronan recebeu alta do CTI para o apartamento, meu presente de aniversario chegou um dia depois. No dia 09/12/15 subimos para o apartamento, onde passaríamos mais 70 dias no hospital. Conseguimos subir para o apartamento, porem Ronan não poderia ficar sozinho de maneira alguma... Assim, quem passou a nos visitar, uma a duas vezes por semana foi nosso filho. Como ele mudava e crescia tão rápido. Deixamos nosso pequeno sem dentes e comendo papinha amassada no garfo, voltamos para casa e ele já tinha 4 dentes, andava e comia sem precisar amassar...
Ronan já estava consciente quando foi para o quarto, apesar de ainda não andar e estar voltando a aprender a sentar. Passamos Natal, Virada do ano, carnaval... Aguardando nosso momento para receber alta. Comemoramos o aniversario de um ano do Heitor no hospital.
Finalmente nossa alta chegou! 16/02/2016 iriamos novamente para nossa casa, que já estava toda preparada para receber o Ronan, pois ele ainda necessitava de cuidados e ainda não andava. Deus fiel, cumpriu sua promessa. Passei dias muito difíceis, pois nas primeiras noites, meu filho me estranhou, meu marido precisava muito de mim... mesmo com minha mãe ainda me ajudando, sentia-me a pessoa mais inútil. Aos poucos, com muita persistência de todos e paciência, conseguimos entrar em um ritmo bom para todos. Tive que me haver com a frustração de colocar nosso gostoso na escola bem antes do que eu havia planejado, pois assim eu iria conseguir resolver tudo que se fazia necessário para nossa rotina diária. Heitor começou a cobrar minha atenção, e percebi quando ele começou a bater a cabeça na parede. Neste dia me senti “ A Incompetente” , como deixei tudo chegar a este ponto?! Passamos a nos organizar, de forma que quando o Heitor chegasse da escola eu daria 100% de atenção para ele. Ronan sempre muito parceiro, me ajudava da forma que conseguia. Aos poucos, ele conseguia passar mais tempo na cadeira de rodas, me ajudava a preparar nossas refeições, já conseguia brincar com o Heitor, interagir de forma tão bela... era possível ver nos olhos deles o quanto estavam verdadeiramente se divertindo e se amando. Heitor e Ronan estabeleceram um vinculo de pai e filho. Heitor passou a chegar da escola e entrar em casa gritando “papai, papai” e correr no quarto para ir vê-lo. Ao acordar, sempre ia lá, com o sorriso largo para dar o beijo de bom dia.
O dia da ultima cirurgia do Ronan estava chegando. O tempo todo vinha em minha mente a pergunta se eu estava preparada para viver sem meu marido? O que eu faria caso ele viesse a falecer? Pensava que eram coisas da minha cabeça e simplesmente ignorava. O dia da cirurgia chegou, todos muito animados, pois esta era muito importante para que o Ronan voltasse a ter uma vida normal. E eu me sentindo tão culpada, pois não consegui sentir aquela certeza de que tudo daria certo, julgava-me a ponto de me questionar se todo o meu cansaço havia abalado minha fé, pois não conseguia orar a Deus com toda confiança como eu fazia e sentia.
Mais uma semana, Heitor ficou com minha mãe e na escolinha. A cirurgia foi um sucesso e tínhamos tudo programado para dia 25/07/2016 ir para casa. Neste dia, onde a alta estava programada, Ronan piorou e precisou voltar para o CTI. O vazio sempre presente em meu coração, sinceramente, por mais que eu buscasse que quisesse muito não conseguia sentir que tudo daria certo, Deus não me acalmava. Olhava para nosso filho e sentia uma dolorosa angustia, pois não sabia o que fazer. Dia 28/07/16 Ronan precisou voltar ao bloco cirúrgico com urgência, e nesta noite eu sentia claramente que não conseguiria levar ele mais para casa, apesar de ainda relutar.
No dia 29/07/16 o melhor marido do mundo faleceu, comigo orando sobre ele, segurando a mão dele. Meu grande amor foi ficar com Deus. Vivi com ele os melhores 10 anos da minha vida, tivemos juntos a prova mais linda do nosso amor, que é nosso filho. Saudade dele será eterna, pois os momentos que vivemos juntos foram maravilhosos! Sim, viveria tudo novamente, mesmo sabendo que terminaria desta forma. Faria as mesmas escolhas, não mudaria absolutamente nada em nossa história.
O que me ajuda a superar e a continuar todos os dias são minha fé e nosso filho. Minha fé, pois no mesmo dia em que Ronan faleceu, pude ver o cuidado de Deus em nos preparar para todos os momentos que passamos e para este que estou vivendo também. Ronan permitia que eu fosse totalmente dependente dele e gostávamos disso. Deus nos deu tempo para eu aprender a fazer tudo, tudo mesmo, sozinha. Aprendi a dirigir para vários lugares, ganhei confiança e amadureci. Tornei-me uma mãe mais segura para tomar decisões para nossas vidas. Deus me permitiu a vida do Heitor, nosso milagre. Heitor que hoje é minha força para seguir, para pensar no amanhã, o meu beijo de bom dia, meu motivo para comer, cuidar da minha saúde. Hoje vivo um dia de cada vez, sem deixar de sonhar com o amanhã. Heitor transformou minha vida quando chegou, e hoje fez uma revolução. Meu amor por ele triplicou, quando eu pensava que já não fosse possível o amar mais do que eu já achava que o amava.
Fiquei mais forte, mais destemida, mais zelosa e amorosa. Às vezes me pergunto como uma pessoa tão pequena pode ser a base, o pilar de um adulto? Heitor foi minha razão para seguir em frente e não enlouquecer, cair em depressão... Heitor é minha motivação para viver e querer um amanhã melhor, ele é meu motivo para planejar um amanhã. Cuidar de um filho sozinha, algo que penso todos os dias... será que vai dar certo? E como será dias festivos? E dias de lutas? Vou dar conta? Procuro fazer sempre o melhor, para tudo o que eu estiver fazendo. Não deixo de falar com ele nenhum dia do tamanho do meu amor por ele, falo do pai dele para que ele saiba o quanto foi amado, corrijo com firmeza quando necessário... se em algum momento percebo que errei, mesmo que ele ainda tenha um ano e sete meses, peço desculpas para ele e aprendo com minhas auto criticas. Não penso em ser a melhor mãe do mundo para as pessoas, penso em ser a melhor mãe que eu conseguir ser para meu filho. Se eu conseguir isso, já estou realizada!
No dia em que o papai amor (assim também chamávamos o Ronan) faleceu, levei o Heitor para janela do nosso quarto e expliquei a ele que agora ele tinha dois papais no céu, que ele podia se considerar um garoto de muita sorte, pois no céu só estavam os escolhidos, as pessoas boas de coração. Disse a ele que sempre que quisesse e que sentisse falta do papai, que ele poderia deixa-lo no coração, morando lá também. Que o papai podia morar em dois lugares, pois o amor dele por nos é tão grande que conseguiríamos isso. Hoje, quando perguntamos o Heitor onde o papai mora, ele leva a mão no peito e fala “qui” (aqui).
Nos primeiros dias, enquanto a cama hospitalar não era recolhida, Heitor ainda chegava da escola chamando o papai e corria para o quarto, e ao chegar na porta que não o via, levantava as mãos, sinalizando um “cadê?”. Sempre explicava para ele que o papai faleceu, que agora morava no céu e no nosso coração. Com uns três dias ele parou de entrar o procurando. Passou a chama-lo durante a noite, coisa que ele ainda faz porem com menos frequência. Sempre explico para ele, ate que ele se acalme e pare de chamar. Procuro sempre explicar abraçando ele, segurando na mão e olhando nos olhos. Ele nunca chorou chamando por ele ou enquanto explicava. A idade dele acaba favorecendo para que ele, não sei se seria a expressão mais correta, sinta menos falta. Não tirei as fotos da casa, estão exatamente no mesmo lugar. Quero que o Heitor saiba o pai maravilhoso que ele tem, por meio de fotos, historias e vídeos.
Nossos planos, com o nascimento do Heitor, era que eu fosse mãe dele, em tempo integral, ate que ele fosse mais independente, até que ele fosse para quinta série (aproximadamente), ou até quando fosse possível. Pretendo manter este plano. Quero ser mãe! Enquanto eu puder, esta será minha principal dedicação. Ocupo minha mente com trabalhos na igreja, lendo, escrevendo, cuidando da nossa saúde... E quando o Heitor esta comigo, ele é minha prioridade. Se estou me alicerçando no meu filho?! Hoje, talvez sim, sem medo e sem culpa.
Assim como espero ser o alicerce dele inicial. Tudo no seu tempo. Não me vejo vivendo para meu filho, me vejo vivendo com meu filho.
Agradeço e oro a Deus, por todos que nos ajudaram (e ajudam) durante nossa caminhada, aos que nem conhecemos que intercederam por nós, aos membros da nossa Igreja e Pastores, à cada um dos nossos parentes e familiares, em especial ao pessoal da minha casa, aos irmãos do Ronan e a prima Virginia. Agradeço a todos os nossos amigos do dia a dia, nossos amigos da VIVO, da MRV Engenharia, da FEAD, nosso vizinhos, agradeço a equipe da escolinha Doce Saber e a toda equipe de profissionais do Hospital Mater Dei – Contorno. Obrigada a vocês também, por essa oportunidade.